segunda-feira, 21 de outubro de 2013

"To be or not to Beckett" no Efêmera Arte - UFRGS TV



















Resenha do espetáculo "O estranho cavaleiro", por Natasha Centenaro


O grotesco universo de Ghelderode e a experiência estética do estranhamento no espetáculo 
O estranho cavaleiro

Natasha Centenaro


Crédito da Imagem: Jefferson Botega



A experiência estética de entrar em contato com o estranho pode passar longe de ser uma sensação agradável. Para Sigmund Freud, a experiência do estranhamento está associada à experiência emocional complexa de se passar por uma situação anteriormente familiar e que se transforma em algo assustador, estranho, espantoso, e pode suscitar diversas reações, principalmente de terror, e, inclusive, de comicidade. Outro aspecto do unheimliche (estranho) diz respeito à duplicidade. A duplicidade se mostra no fato de que essa vivência, apoiada no sentimento de medo, também pode se manifestar no riso cômico, por si só, dualístico. O riso seria um mecanismo antecipado de refúgio frente ao terror. E não há nada mais familiar, ao mesmo tempo, e, por isso, de tão próxima, mais temerosa do que a morte. Assim como, não há figura mais esquisita, grotesca e estranha do que o bufão, que tanto provoca o riso.

No caso do espetáculo O estranho cavaleiro, a experiência estética se revela não apenas familiar, como desperta uma mescla de sentimentos, desde esse estranho do suspense, até o estranho do riso, passando pelo estranho da inquietação e do questionamento, para chegar ao estranho agradável e prazeroso. Impressões desconcertantes que começam antes mesmo de se acomodar na plateia do Teatro de Arena. No hall, a iluminação cênica realça a esquisitice de manequins com figurinos excêntricos (aquele turbante saudoso), tules e panos pretos, fotografias, desenhos, gravuras, imagens, textos, de bufões, características do período medieval e outros detalhes cuidadosamente dispostos nas colunas, nos bancos e balcão, tudo para indicar as paixões de Michel de Ghelderode. Para adentrar nesse universo grotesco e absurdo do autor do sainete (peça curta de um ato, de caráter cômico ou burlesco, dentre os expoentes destacam-se Cervantes e Calderón de La Barca, como bem explica o programa distribuído ao público). Descobrimos um texto de 1920, repleto de imagens alegóricas, frases metafóricas e um tema atemporal, de um dramaturgo belga pouco conhecido e encenado no Brasil. 

Se a pergunta, no início, foi: será que a peça começa aqui, no hall, com alguma intervenção? A resposta vem com as vozes ecoando dentro do teatro e ouvidas de fora. A presença dos seis atores em cena, enquanto os espectadores entram, mobiliza olhares e atenção. Tente, você também, desvendar os intérpretes (irreconhecíveis) por trás do primoroso figurino (ponto alto) de Rô Cortinhas e da maquiagem e caracterização impecável daqueles centenários bufões medievais. O palco do Arena (despido de qualquer cenário ou objeto cênico, a gaita só aparece no decorrer do baile) se estende e avança para algumas fileiras de assentos, onde transitam, com dificuldade, seis velhos deformados, feios, sujos, fedidos, entrevados, enfermos, atrofiados. O lugar é um asilo, hospital, hospício, um depósito de gente que já não serve mais à sociedade.

Esse espetáculo é resultado do Prêmio de Incentivo à Pesquisa em Artes Cênicas do Teatro de Arena no ano de 2013, realizado pela Secretaria de Estado da Cultura. Como pesquisa, a Satori Associação Teatral buscou na imersão desse universo ghelderodeano, concentrando-se na figura dos bufões, desde a linguagem oral, corporal, gestual, tudo representava o grotesco, das cuspidas de cascas de maçã (ou laranja), dos palavrões repetidos, das vozes e pantomimas estilizadas, do fazer rir pelo estranho. A peça é a efetivação, a execução desse longo período de pesquisa (desde 2012), sobretudo, um produto bem feito. 

Impressiona o contraste da experiência com a jovialidade do elenco, e aí está uma reunião certeira. Quando se pensa na maturidade de cena de Liane Venturella e Luiz Antônio Santos, frente aos “novatos”, porém seguros e corajosos, Alexandre Borin, Carolina Diemer, Daniel Fraga e Franciele Aguiar. Essa troca acontece de forma natural e todos estão na mesma nau de loucos, dementes bufões, com perna quebrada, corcunda, sem braço, mãos aleijadas. Destaca-se o trabalho de preparação física e vocal. Nesse espetáculo se faz evidente o trabalho apurado e construído em cima de tipos específicos, que, desde o corpo, causam o riso, e tudo que envolve esse corpóreo também: a muleta, a dor, a falta de visão ou audição, a trapalhada do choque entre eles. Ressaltados pelo figurino e a caraterização (imprescindíveis). E não só o corpo, mas as faces apavoradas diante dos sinos e da presença-ausência do cavaleiro que ronda os muros do asilo. O olhar do vigia ao descrever o cavaleiro e seu cavalo, ou sua sombra, mostra ao público o irrevelável e inquieta. Depois, o olhar do anúncio, o mesmo olhar descritivo, revelador, e nada é visto. Os olhares estranhos de Franciele Aguiar, na primeira cena aqui comentada, e de Liane Venturella, ao final, são diretamente iluminados pelos refletores (a iluminação: outra qualidade) e provocam sensações ameaçadoras, comovem pelo temor. O temor da aproximação (ou afastamento – alívio disfarçado) do cavaleiro. 

E quem é esse cavaleiro por que esperam os bufões? A semelhança com o impacto da não-presença de Godot é imediata. Não é à toa, Ghelderode é um dos precursores do Teatro do Absurdo e o diálogo com Samuel Beckett, Eugène Ionesco, e também com Antonin Artaud, ficam claros ao longo dos diálogos (silêncios) da peça. Como em Esperando Godot, ri-se do absurdo da situação. Porém, o riso é seco, engasgado, entrecortado. Ri-se abertamente, de forma solta e desprendida, com os bufões que gargalham da vida, e esperam a morte. Em cada gargalhada, ecoa o silêncio, o vazio, o intervalo do não-dito, o medo. É uma peça de riso frouxo, quando o motivo do riso se faz incômodo e estranho a todos, quem ri e quem causa o riso. Os bufões riem um da cara do outro, gozam da morte que não chega, mas sabem que vem vindo, cedo ou tarde, riem, e em cada riso está contido o seu silêncio. Engana-se quem pensa que é só diversão. A ironia, o deboche, o sarcasmo, estão em cada palavra, na crítica às instituições (aos poderes políticos, as instâncias militares, à igreja – a religiosidade que cega), às relações hipócritas da sociedade. A crítica (se arma no silêncio) é o eco do riso. Impossível também não pensar e lembrar-se da peça Heróis – o caminho do vento, do francês Gerald Sibleyras, cujo enredo traz três velhos combatentes de guerra que também estão no asilo e se encontram, todos os dias, no terraço, para conversar e fazer da espera da morte um irônico passatempo. 

Se a Satori declarou que a tarefa complexa de montar O estranho cavaleiro seria impossível e estaria fadada ao erro, entendo que foi o mal-entendido mais frutífero do que a própria companhia planejou. O público não só se diverte como se estranha, inquieta e absorve as imagens grotescas de Ghelderode. Talvez, uma ou outra frase do texto possa não ser plenamente compreendida, fato de a linguagem carregar metáforas e alegorias. Entretanto, o conteúdo da fábula é tão entendido como se percebe nos comentários pós-espetáculo. O risco de trazer e aproximar este autor da cena porto-alegrense valeu e muito as penas da Satori e, especialmente, de Irion Nolasco. O diretor conduz como maestro sua orquestra de bufões e na medida, em 45 minutos, consegue transpor a experiência estética do estranhamento, por meio do riso, do silêncio, do medo, da corporificação e presentificação do estranho. O estranho familiar, o que está entre nós.

Palmas para a equipe técnica, pelo espetáculo. Ainda mais palmas ao Irion Nolasco e ao Daniel Fraga (assistente de direção) e a todos do elenco pela ousadia e a coragem de enfrentar o risco. Sabiamente enfrentado, sabidamente burlado. 

Ouço sinos. Será o cavaleiro a espreitar-nos?

A morte chega para todos. Para uns, parece mais perto. Descubra de quem ela está ao lado, assistindo a O estranho cavaleiro.


* Natasha Centenaro é mestranda em Letras, área de concentração: Escrita Criativa, da PUCRS, jornalista e escritora. 




sábado, 27 de julho de 2013

Projeto "O Estranho Cavaleiro" promove atividades formativas







Dia 01 de agosto, após a apresentação do espetáculo O estranho cavaleiro, no Teatro de Arena, haverá palestra com Daniel Fraga, diretor teatral, Mestre em Teoria da Literatura pela PUCRS e professor do Departamento de Arte Dramática da UFRGS.


MICHEL DE GHELDERODE - TRABALHOS SOBRE A MORTE E O MAL



O artista Ademar Martens, mais conhecido como Michel de Ghelderode, nascido na Bélgica, figura como um dos grandes nomes da literatura universal. Infelizmente pouco conhecido do grande público brasileiro, mas extremamente respeitado na Europa. Sua escritura o coloca como um grande precursor do teatro do absurdo e do teatro da crueldade de Antonin Artaud, ao utilizar imagens instigantes para provocar reflexões filosóficas profundas. A encenação desse espetáculo enseja a possibilidade de palestra que não fale apenas do processo de encenação, mas também das qualidades literárias do autor encenado.

Diante disso, evidencia-se a importância em falar de sua obra e de sua estética, principalmente dos temas humanos que seu teatro evidencia. Torna-se fundamental desnudar suas técnicas dramatúrgicas e fontes dramáticas, tais como a farsa, a tragédia, as moralidades medievais, as féerie, o vaudeville, entre tantos outros. A complexidade de seus textos recai num imaginário polifônico, que pode ser analisado e apresentado.

As formas como Ghelderode expõe as fragilidades humanas em seus textos e como eles descentram leitores e espectadores teatrais o tornam um autor essencial. Suas imagens destroçam as categorias intelectuais numa fusão apoteótica de horror e beleza. Seu renome pode ser contestado, mas não a sua importância na construção estética do homem do século XXI.


OFICINA DE ESTILO TEATRAL BUFÃO

Dias 05 e 06 de agosto, das 15h às 19h, na Sala Qorpo Santo (Av. Paulo Gama, s/n. Campus Central da UFRGS, ao lado do Cinema Universitário)
Oficina com carga horária total de 8 horas, ministrada por Inês Marocco, professora do Departamento de Arte Dramática da UFRGS, diretora do Grupo Cerco.
20 vagas
Inscrições através do envio de currículo resumido e carta de intenção para o e-mail satoriteatro@gmail.com até dia 01 de agosto.


A oficina e a palestra são gratuitas e fazem parte da contrapartida cultural do projeto "O estranho cavaleiro: um exercício de estilo" ao Prêmio de Incentivo à Pesquisa em Artes Cênicas do Teatro de Arena de Porto Alegre.

Imagem: "Squelettes se disputant un pendu", de James Ensor (1891)


sábado, 20 de julho de 2013

Bastidores do espetáculo "O Estranho Cavaleiro"



 Da esquerda para a direita: Franciele Aguiar, Carolina Diemer e Alvaro RosaCosta (ao fundo).


 Carolina Diemer, Liane Venturella e Daniel Fraga.


 Luiz Acosta (iluminador).


 Luiz Acosta 


 Luiz Acosta e Irion Nolasco


 Da esquerda para a direita: Márcia Donadel, Daniel Fraga, Franciele Aguiar e Carolina Diemer.


 Da esquerda para a direita: Márcia Donadel, Franciele Aguiar, Carolina Diemer e Daniel Fraga.


Alexandre Borin e Carolina Diemer.


Crédito das imagens: Adriana Marchiori


sexta-feira, 5 de julho de 2013

O estranho cavaleiro estreia dia 18 de julho no Teatro de Arena de Porto Alegre







A montagem vencedora do Prêmio de Incentivo à Pesquisa em Artes Cênicas do Teatro de Arena de Porto Alegre, promovido pela Secretaria da Cultura do Estado, estreia em Porto Alegre. O mais novo espetáculo da Satori Associação Teatral tem direção de Irion Nolasco e fará temporada de 18 de julho a 4 de agosto, com apresentações de quintas a sábados às 21h e  domingos às 20h no Teatro de Arena.

O Estranho Cavaleiro nasce do texto homônimo do autor belga Michel de Ghelderode. Escritor e dramaturgo conhecido como um dos precursores do teatro do absurdo, fez crítica à sociedade moderna através de temas e figuras medievais. Nesta peça utiliza a imagem grotesca do bufão para expor numa fusão apoteótica de horror e beleza, a fragilidade e os mais intrínsecos temores da humanidade.

Sinopse: Era medieval. Um asilo esquecido por Deus. Velhos doentes, esfarrapados e deformados esperam seus últimos momentos vivendo cada dia com atroz monotonia na instituição. Em uma noite sinistra sinos misteriosos anunciam a chegada de um estranho visitante, cuja presença, tão aguardada e tão temida, instaura o caos e a reflexão.

CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 anos
DURAÇÃO: 45 minutos

SERVIÇO:
O QUE: Espetáculo teatral O Estranho Cavaleiro
QUANDO: de 18 de julho a 4 de agosto, de quintas a sábados às 21 horas e domingos às 20 horas
ONDE: Teatro de Arena de Porto Alegre 
(Av. Borges de Medeiros, 835. Fone: 51 3226 0242)
QUANTO:
Inteira: R$ 20,00
Idosos, estudantes, classe artística e Clube do Assinante ZH: R$ 10,00
Quintas-feiras preço promocional de R$ 15,00 (com 50% de desconto para idosos, estudantes, classe artística e Clube do Assinante ZH)
As apresentações dos dias 18 e 19 de julho terão entrada franca.



FICHA TÉCNICA:
Texto: Michel de Ghelderode
Direção: Irion Nolasco
Assistência de direção: Daniel Fraga
Iluminação: Luiz Acosta
Figurino: Rô Cortinhas
Trilha sonora original: Álvaro RosaCosta, com a participação de Simone Rasslan e Luciano Pieper como músicos convidados
Preparação de elenco: Inês Marocco
Elenco: Alexandre Borin, Carolina Diemer, Daniel Fraga, Franciele Aguiar, Liane Venturella e Luiz Antônio Santos
Arte Gráfica: Daniel Soares Duarte
Fotos: Adriana Marchiori
Gravação e edição de imagens: Jerri Dias
Assessoria de imprensa: Léo Santanna
Produção: Satori Associação Teatral
Realização: Secretaria de Estado da Cultura, Teatro de Arena de Porto Alegre e Satori Associação Teatral

www.facebook.com/oestranhocavaleiro
www.facebook.com/satori.associacaoteatral



domingo, 7 de abril de 2013

Noite de Walpurgis no VI Encuentro Internacional de Maestros y Escuelas de Teatro







Link para matéria publicada na edição de 07 de abril de 2013 do Jornal El Comercio, de Quito, sobre o VI Encuentro Internacional de Maestros y Escuelas de Teatro:



Los maestros de teatro de América Latina se encontraron en Quito


http://www.elcomercio.com/cultura/maestros-teatro-facultad-artes-America-Latina-Quito-Universidad-Central_0_896910312.html

segunda-feira, 25 de março de 2013

Satori Associação Teatral vai ao Equador representar o Brasil no VI Encuentro Internacional de Maestros y Escuelas de Teatro

 
 
 
 
 
Satori Associação Teatral está com as malas prontas para viagem. Pela segunda vez, o grupo teatral foi contemplado pelo Ministério da Cultura do Brasil, através do Edital de Intercâmbio e Difusão Cultural.
Este ano, no dia primeiro de abril, "Noite de Walpurgis", que tem direção de Irion Nolasco, fará a abertura do VI Encuentro Internacional de Maestros y Escuelas de Teatro, em Quito, Equador. Em 2009, o espetáculo "A Serpente", de Nelson Rodrigues, foi apresentado na Colômbia.
 
Os atores Franciele Aguiar e Alexandre Borin encenarão a peça que em 2011 recebeu o Prêmio Açorianos Mais Teatro Revelação de Melhor Espetáculo.

A noite que dá título ao espetáculo tem sua origem nas tradições pagãs de celebração à chegada da primavera na Europa, e era acusada pela Igreja de ser dedicada à magia e ao culto do diabo, embora fosse, na realidade, uma festa de alegria dramática. Nesta noite de todos os demônios, a inspiração vem de filmes de Visconti e Elia Kazan, da idolatria de James Dean e Marilyn Monroe, entrelaçada a vários fragmentos dramatúrgicos e literários de autores como Jean Genet, William Shakespeare e Raduan Nassar, Bruno Schulz, John Ford e José Triana.